Artistas

Zimar

Matinha, MA, 1959

A careta apavora e espanta até a morte, mas também diverte a vida. Sua feição derretida, de olhos arregalados, orelhas grandes e a boca aberta, não revela se é de gente ou se é de fera. Levada pela toada, a figura dança e balança o quadril, armando a brincadeira, mexendo com quem passa, desfilando sua ginga, encantando as ruas com sua magia.

A arte de Zimar, como é chamado Eusimar Meireles Gomes, vem de sua ligação vital com o Bumba meu boi, manifestação cultural de maior importância na região onde vive, a Baixada Maranhense. A chamada “festa do boi” é uma celebração vibrante, que combina teatro, dança e música. Tendo como pano de fundo uma fazenda no Brasil colonial, envolve uma série de personagens arquetípicos do imaginário popular e intervenções sobrenaturais. A narrativa, que pode ter diversas variações, a depender da região e do grupo que a apresenta, tem como ponto central de sua trama o abate e a ressurreição de um boi, dramatizando e ritualizando a vida e a morte. A vivência de Zimar como brincante do Boi, e mais especificamente como quem incorpora o “cazumba” — ou “cazumbá” —, é o que impulsiona e define sua prática artística. O “cazumba” é um personagem que participa das versões do Bumba meu boi de alguns territórios do Maranhão. Sem espécie ou gênero definido, e com uma áurea mística, o “cazumba” dança e atua com irreverência e alegria, podendo também ser igualmente intimidante e assustador. Na representação dramática, geralmente age de modo travesso e imprevisível, cumprindo funções complementares e interagindo diretamente com o público. Seus trajes, ornamentados e repletos de detalhes, são marcados sobretudo pelas máscaras, também chamadas de “caretas” ou “queixos”. 

Zimar começou a fazer caretas para uso próprio no início dos anos 2000, depois de ter machucado o rosto com uma máscara comprada. Com o objetivo de produzir peças que resolvessem o problema técnico do conforto anatômico, ele acabou por dar vazão a uma explosão estética, firmando sua inventividade artística. Na primeira fase de sua produção, Zimar usou madeira de paparaúba, criando máscaras de cortes retos e feições rígidas. A partir de 2015, após sofrer um AVC que comprometeu sua disposição física para o talho, passou a utilizar capacetes de moto descartados e assimilar toda sorte de resíduos encontrados — como PVC, borracha, perucas e ossos de animais —, ressignificando esses materiais em composições singulares, que trazem mandíbulas articuladas, e que depois podem ser finalizadas com pó de serra, papel machê e pintura. Por meio de um raro entrelaçamento entre a liberdade de imaginação e o domínio da técnica, Zimar — que é reconhecido como mestre — subverte e inova a tradição das caretas de “cazumba”, introjetando nova energia nessa antiga cultura. De estilo inconfundível, suas máscaras trazem hibridismos quiméricos e fisionomias monstruosas, como se as expressões faciais das mais diversas feras tivessem sido cristalizadas por meio dos gestos do artista. A partir das sugestões dos próprios materiais encontrados, vão surgindo feições de cavalo, macaco, bode, porco, cachorro, onça, jacaré, pássaro e outros bichos inomináveis. A prática de Zimar soma-se à tradição imemorial da máscara como objeto de poder, capaz de conferir propriedades extraordinárias ou permitir a transfiguração de quem a veste. O próprio artista, com sua careta na cabeça, se transforma: não interpreta, mas incorpora o “cazumba”, esquecendo seu corpo físico e subjetividade para performar danças e gestos característicos, fazendo graça de todo tipo.

No 38º Panorama, Zimar apresenta um conjunto expressivo de dez máscaras. A constelação de caretas dá conta apenas de uma pequena parte da inesgotável força criativa do artista, mas revela os aspectos fundamentais de seu trabalho. Entre as peças, observamos elementos diversos e variadas características: chifres, cabelos, barbas, bocas redondas e outras de bico pronunciado. As caretas são expostas numa espécie de diagrama de cinco pontas, posicionando cada obra em um ponto, em diferentes elevações. O dispositivo confere dinâmica ao conjunto, reforçando a vivacidade das máscaras, ao mesmo tempo em que sublinha o aspecto místico e ritualístico das obras, como um altar que celebra a figura do “cazumba”.

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(1-5) Vistas da exposição

(6) Sem título, da série Careta de Cazumba, 2024, polipropileno de capacete descartado, plástico e papel, 60 x 60 x 30 cm. Coleção do artista

(7) Sem título, da série Careta de Cazumba, 2022, polipropileno de capacete descartado, plástico e papel, 48 x 46 x 25 cm. Coleção do artista

(8) Sem título, da série Careta de Cazumba, 2022, polipropileno de capacete descartado, plástico e papel, 70 x 55 x 36 cm. Coleção do artista

(9) Sem título, da série Careta de Cazumba, 2022, polipropileno de capacete descartado, plástico e papel, 50 x 40 x 40 cm. Coleção do artista

(10) Sem título, da série Careta de Cazumba, 2024, polipropileno de capacete descartado, plástico e papel, 30 x 27 x 30 cm. Coleção do artista

(11) Sem título, da série Careta de Cazumba, 2022, polipropileno de capacete descartado, plástico, espuma e tinta, 30 x 20 x 29 cm. Coleção do artista

(12) Sem título, da série Careta de Cazumba, 2024, polipropileno de capacete descartado, plástico e papel, 27 x 45 x 27 cm. Coleção do artista

(13) Sem título, da série Careta de Cazumba, 2022, polipropileno de capacete descartado, plástico e papel, 26 x 37 x 20 cm. Coleção do artista

(14) Sem título, da série Careta de Cazumba, 2022, polipropileno de capacete descartado, plástico e papel, 32 x 47 x 27 cm. Coleção do artista

(15) Sem título, da série Careta de Cazumba, 2024, polipropileno de capacete descartado, plástico e papel, 29 x 43 x 24 cm. Coleção do artista

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