Artistas

Solange Pessoa

Ferros, MG, 1961

A energia primeva coreografa sua multiplicação. Do calor das profundezas surgem as formas visíveis que se espalham pelo mundo em suas infinitas variações. Bichos, plantas, pedras e signos que guardam em si o equilíbrio caótico entre o parentesco universal e os sotaques locais, iluminando os segredos insondáveis que correm quentes pela superfície terrestre.

A obra de Solange Pessoa é um amplo tratado sobre as qualidades físicas e visuais do mistério vital, evocando imagens que emergem da fenda entre cultura e natureza para falar do sonho e da memória da Terra. Seus trabalhos não só abordam os aspectos essenciais da biosfera, mas também buscam revelar as fundações da linguagem como modo de associar ambas as dimensões. A artista trabalha com a reverência e a escuta profunda ao chamado da matéria, estabelecendo uma ligação mental, emocional e espiritual com os materiais que emprega. Ao recorrer ao uso de rochas, argila, terra e matéria orgânica, seus desenhos, pinturas, esculturas e instalações ressoam as forças primordiais do planeta, como erupções manifestas das energias latentes. Por meio de gestos elementares, Solange Pessoa realiza exercícios de síntese que assimilam as questões universais pertencentes a todas as eras e lugares, sem deixar de celebrar, no entanto, suas manifestações regionais. Há, em suas obras, as matrizes, modelos, símbolos e arquétipos, mas também há o que existe de mais específico. Nos ventos do tempo espiralar, rodopiam as repetições e os ecos de uma coisa na outra, mas também o caráter singular que pode se instalar em qualquer canto, seja como subjetividade ou costume coletivo. Suas interpretações dos movimentos da vida lidam com a morfologia e a fluidez das formas, com os hibridismos e as dinâmicas da mistura, e com a linha tênue entre permanência e impermanência, entre repetição e transmutação. São pistas sem destino, provocações sensíveis e bailados existenciais sobre o que nos cerca, o que nos forma, nossa origem, nosso lugar no mundo, nossa razão de ser.

Solange Pessoa participa do 38º Panorama com dois conjuntos de obras, revelando a coesão de um estilo profundo percolado numa gama de meios e soluções formais. O primeiro é uma constelação de mais de uma dúzia de esculturas de pedra-sabão, com obras das séries Caveiras (2016), Fontes e tanques (2016), Mimesmas (2016) e Dionísias (2017), além de peças isoladas. Essas esculturas sublinham o caráter único dessa rocha metamórfica densa e maleável, de textura oleosa e suave, tão abundante em Minas Gerais. Por isso, tem sido utilizada desde tempos coloniais na produção de utensílios, esculturas e elementos arquitetônicos, especialmente no período barroco. Cada pedra é esculpida negativamente, de modo a criar inscrições com padrões mínimos: curvaturas, buracos e espirais. São, portanto, ícones portadores de padrões que podemos observar em todos os cantos – na cúpula celestial, na crosta terrestre, nas formações biológicas – e que foram estudados e elaborados por incontáveis sociedades e culturas. Essas obras nos oferecem ideias de profundidade e movimento, da sobreposição de camadas, ciclos e processos de renovação que envolvem os fluxos vitais, evocando uma temporalidade alargada, como vestígios da gênese ou de uma era vindoura. O segundo conjunto é composto por três peças de cerâmica e lã (2019-2024) que se portam como resíduos minerais enigmáticos, fragmentos de rochas escuras ou carvões. São totens de alta densidade visual, que guardam a potência material de tempos imemoriais.

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(1-6) Vista da exposição

(7) Sem título, da série Caveiras, 2016, pedra-sabão, 50 x 85 x 57 cm. Coleção José Olympio da Veiga Pereira

(8-9) Sem título, da série Fontes e Tanques, 2016, pedra-sabão, 73 x 77 x 59 cm. Coleção José Olympio da Veiga Pereira

(10) Sem título, da série Mimesmas, 2016, pedra-sabão, 26 x 76 x 64 cm. Coleção Daniel Feffer

(11) Sem título, da série Fontes e Tanques, 2016, pedra-sabão, 65 x 57 x 71 cm. Acervo Juliana Siqueira de Sá

(12) Sem título, 2017, pedra-sabão, 50 x 69 x 61 cm. Coleção Hollander-Yehudi e artista

(13) Sem título, da série Dionísias, 2017, pedra-sabão, 30 x 77 x 101 cm. Coleção Virginia Weinberg

(14-15) Sem título, 2019–24, cerâmica, 97 x 75 x 60 cm. Cortesia da artista e Mendes Wood DM

(16) Sem título, 2019–24, cerâmica, 80 x 70 x 55 cm. Cortesia da artista e Mendes Wood DM

(17) Sem título, 2019–24, cerâmica e lã, 85 x 75 x 37 cm. Cortesia da artista e Mendes Wood DM

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