Artistas

Rop Cateh

Território Indígena Taquaritiua, MA, em colaboração com Gê Viana [Santa Luiza, MA, 1986] e Thiago Martins de Melo [São Luís, MA, 1981]

Sobre o chão ancestral, sob a guia dos encantados, correm os cachorros de Bilibeu. Jenipapo no corpo e fuligem no rosto, festa nos olhos e, na boca, o júbilo da alma. Gritam sua força no sol e na chuva, no asfalto e na mata, percorrendo o território para sacralizá-lo e demarcá-lo com os próprios pés.

O processo de retomada de identidade e das terras ancestrais do povo Akroá Gamella, originário do Maranhão, tem como celebração simbólica central o “Ritual do Bilibeu”, que cria um laço fundamental entre a luta territorial e as festividades culturais para a continuidade do povo em meio a um contexto de constante ameaça e opressão. Esse ritual é uma prática ancestral que envolve toda a comunidade e se conecta profundamente com a cosmologia Akroá Gamella. Bilibeu, o encantado reverenciado, é uma figura mítica, um guardião ligado a aspectos da fertilidade e da proteção. Com duração de vários dias, seu ápice é conhecido como a “corrida dos cachorros de Bilibeu”, na qual os participantes se transmutam em “cães”, pintados e adornados com elementos naturais, simbolizando uma fusão festiva entre o humano, o animal e o divino. Nessa etapa, percorrem as aldeias de seu território em uma jornada intensa que dura cerca de doze horas e percorre, ininterruptamente, mais de trinta quilômetros sobre estradas de terra, grama, asfalto, barro, lama, e por entre florestas e cursos de água. Em cada casa em que param, animais e bebidas são lançados aos cachorros para ser caçados como oferendas a Bilibeu. Fisicamente extenuante, o percurso energiza e regozija a alma, repactuando a conexão espiritual com a terra e com os encantados. 

Esse evento, que harmoniza elementos de tradições afro-indígenas e do catolicismo, é um momento de transe permeado por votos de fertilidade e prosperidade. A caminhada reúne, em si, aspectos de cerimônia espiritual, de celebração comunitária, de grande festejo e de afirmação política, e é, ainda, um importante rito de passagem para os homens, que participam como uma forma de marcar sua transição para a vida adulta, confirmando seu compromisso com a cultura e a continuidade de seu povo. Desde abril de 2017, quando a comunidade sofreu um brutal ataque perpetrado por agentes externos que feriram irreversivelmente várias pessoas, o Ritual de Bilibeu ganhou ainda mais centralidade, sendo transferido do Carnaval para o mês do ataque. A autodeclaração política do povo Akroá Gamella — cuja etnia já foi dada oficialmente como extinta — é uma resposta contundente à sociedade que frequentemente questiona sua identidade e seus direitos, e a todo custo tenta apagá-los.

O termo Rop Cateh – Alma pintada em Terra de Encantaria dos Akroá Gamella, escolhido para representar a participação do território no 38º Panorama, reflete a essência do Ritual de Bilibeu. A apresentação envolveu uma série de conversas e processos com os membros do Conselho de sua comunidade e com o recém-formado Coletivo Pyhan — que tem se organizado como corpo de comunicação da comunidade —, e contou também com a colaboração de dois artistas maranhenses que já tinham laços com o território e cujas práticas em tudo se relacionam com as questões do Panorama: Gê Viana e Thiago Martins de Melo. A partir de costuras e alinhamentos fundamentais, foram selecionadas filmagens — editadas em um único vídeo — e fotografias de diferentes autores que documentam, de modo implicado e com um olhar livre e poético, as atividades do ritual. Uma série de colagens manuais e pinturas produzidas por membros da comunidade em oficinas conduzidas no território pelos artistas colaboradores somam-se à apresentação. Nesses trabalhos, são visíveis gestos de afirmação que revelam laços familiares, atividades comunitárias, mapas subjetivos da terra e representações da fauna, da flora e dos encantados. O resultado é um grande painel multimídia de visualidade expressiva, sublinhando a explosão estética, a potência criativa e as discussões fundamentais sobre território, identidade e espiritualidade articuladas pelo povo Akroá Gamella.

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(1-4) Rop Cateh — Alma pintada em Terra de Encantaria dos Akroá Gamella, MA, 2024, instalação multimídia em colaboração com Gê Viana e Thiago Martins de Mello. Coleção Rop Cateh

(5) Thiago Martins de Melo e Craa Cwyj. João Piraí, 2024, acrílica sobre linho, resina e fibra de vidro. Coleção Rop Cateh



(6) Énh Xym Akroá Gamella e Crêere Akroá Gamella/Povo Akroá Gamella. O tom do sagrado, 2024, colagem manual e fotográfica, e urucum sobre papel. Coleção Rop Cateh



(7) Kum'tum e Maria do Carmo Akroá Gamella/Povo Akroá Gamella. O toque da criação, 2024,
colagem manual e fotográfica sobre papel. Coleção Rop Cateh



(8) Ana Mendes/Coletivo Pyhãn. Onça líder, 2018, fotografia digital. Coleção Rop Cateh


(9) Ana Mendes/Coletivo Pyhãn. Demarcando a terra com os pés, 2022, fotografia digital. Coleção Rop Cateh


(10) Cruupyhre Akroá Gamella/Coletivo Pyhãn. Pajé Craa Cwyj, 2024, fotografia digital. Coleção Rop Cateh


(11) Ana Mendes/Coletivo Pyhãn. A bença, Bilibeu, 2022, fotografia digital. Coleção Rop Cateh


(12) Ana Mendes/Coletivo Pyhãn. Chão de Encantaria, 2018, fotografia digital. Coleção Rop Cateh


(13) Crêere Akroá Gamella/Coletivo Pyhãn. São Bilibeu é nosso ancestral, 2024, fotografia digital. Coleção Rop Cateh



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