Artistas

Paulo Pires

Poxoréu, MT, 1972

A pedra grita, convocando o toque e a talha que revelarão figuras sentimentais em sua carne. A aparição das formas registra, na rocha, o fluxo fervente dos corpos e suas paixões, desvelando a potência que pulsa nos contatos, nas aglomerações e nas correrias.

O trabalho de Paulo Pires acontece por meio da aceitação do estado bruto do arenito e da escuta extrassensorial da matéria natural, acessando o que ela invoca como novas possibilidades. Seu processo somente se inicia quando as pedras “estão em grito”: é a disposição espiritual delas que indicará o caminho. O método do artista — que envolve banhos de água para amolecer e cortes precisos para modelar — alia delicadeza à força bruta. Para dar formas às ideias, Paulo Pires abre um canal de duas vias entre suas mãos e a substância, formando uma corrente energética pela qual transcorrem sentimentos e emoções entre criador e criatura. Nesse jogo, em que a pedra é a matéria-prima e também a grande metáfora, um tramado sensível é traçado entre a essência da rocha e a figura do corpo humano, de modo que vão aparecendo abraços, carinhos, danças, cópulas, amontoados e outras agregações. Desse modo, o artista esculpe no mineral os afetos, por meio dos gestos que lhes correspondem, cravando uma síntese particular das dinâmicas e aspirações humanas no mundo. Entre a dureza e a maleabilidade, suas peças oferecem imagens dinâmicas, que parecem se transformar a cada novo ponto de vista. Por meio da animação do inanimado, Paulo Pires versa sobre as questões universais, mas também sobre subjetividades, narrativas cotidianas, suas vivências e livres fabulações. Há sempre o peso da vida, mas também a capacidade flexível de invenção e reinvenção a partir da força da criação. Na monotemática de sua obra, o artista afirma a semelhança pela diferença, fazendo-nos enxergar que, embora a natureza maior seja imutável, há infinitos — e sempre renovados — modos de existir.

Em sua participação no 38º Panorama, as quatro obras apresentadas mostram o balanço entre seu estilo reconhecível e a versatilidade de suas composições. Em Os desejos da pedra (2023/2024), uma escultura de grande formato, enxergamos uma infinidade de corpos que se amontoam numa montanha humana. Essa sugestiva aglutinação pode remeter, a um só tempo, à gênese — como se ali estivesse o barro original ganhando formas que mais tarde irão partir com autonomia no mundo a partir de suas vontades individuais — e à dinâmica de aglutinação mobilizada pelo desejo quente e impetuoso, pela vontade de aproximação entre diferentes corpos. Ao espectador, é possível se perder na riqueza de detalhes, em cada interação, tentando compreender os mistérios envolvidos nesse ajuntamento. A obra sem título (2024) traz uma versão menor desse empilhamento, numa composição que desafia a gravidade. Já em uma outra obra sem título(2024) e O namoro da pedra (2021), a densidade energética aumenta, concentrando-se na conexão entre dois corpos que estão em entrelaçamento profundo, de modo que um passa a se fundir no outro.

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(1-2) Vistas da exposição

(3-4) Os desejos da pedra, 2023-24, arenito, 146 x 130 x 50 cm. Coleção particular

(5) O namoro da pedra, 2021, arenito, 55 x 37 x 40 cm. Coleção particular

(6) Os desejos da pedra, 2023, arenito, 32,5 x 55 x 13,5 cm. Coleção particular

(7-8) O consolo da pedra, 2024, arenito, 70 x 96 x 34 cm. Coleção particular

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