Artistas

José Adário dos Santos

Salvador, BA, 1947

O ferro encontra o fogo. O que era duro, derrete. É torneado, erigido, fundido e soldado. Vira chave, ícone que conecta, recebe e assenta. Um conduíte espiritual, uma ferramenta que transforma.

José Adário dos Santos, ou Zé Diabo — como também ficou conhecido —, é um dos mais notáveis ferreiros da Bahia. Começou a trabalhar a forja ainda criança, recorrendo aos seus mestres para aprender o seu ofício: o ferreiro Maximiano Prates e seu padrinho, o orixá Ogum. Sua prática combina elementos de culturas religiosas afro-brasileiras com ênfase em tradições da cultura iorubá, tomando o ferro como matéria-prima, instrumento e objeto de devoção. Suas “ferramentas” — como chama suas peças — são feitas como trabalhos para os orixás e outras entidades, sobretudo aquelas ligadas a esse metal, de maneira que o artista molda com a matéria terrena um ativador para conexões espirituais. Nesse sentido, suas ferramentas são usadas em assentamentos — nome que se dá às moradas de divindades e entidades — e podem assumir diferentes formas a depender das intenções energéticas que lhes dão vida ou da função que irão assumir. Entre as incontáveis invenções formais que compõem seu complexo léxico, aparecem tridentes, flechas, pássaros, folhas de prata, entre outros elementos. Em comum, todas as suas obras carregam densa carga estética, afirmando seu estilo marcante. São ícones que incorporam mistérios, canalizando a força ancestral do ferro e a presença espiritual. Como instrumentos-talismãs, suas obras são insígnias de poder, transcendendo a representação para estabelecer uma ligação direta com o sagrado.

No 38º Panorama, José Adário dos Santos apresenta um conjunto de peças que dão testemunho de sua maestria escultórica e profunda espiritualidade. No entanto, são obras criadas para circular em ambientes expositivos como museus e galerias, diferentemente das que são feitas com o objetivo de ser iniciadas dentro dos terreiros ligados às religiões de matrizes afro-brasileiras para fins de sacralização. O grupo de obras reflete a rica herança cultural do Candomblé e o saber metalúrgico que atravessou o Oceano Atlântico, e afirma a habilidade técnica e a sensibilidade artística que definem o trabalho de José Adário dos Santos. São peças que se referem a divindades e entidades distintas: há ferramentas dedicadas a Ogum Oniré, Oxossi Odé, Agué, Padilha e Exu. Apresentadas com a devida reverência totêmica, firmam uma ecologia simbólica fascinante, bem como um circuito energético ligado a diferentes forças vitais.

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(1-4) Vistas da exposição

(5) Ferramenta de Padilha, 2022, ferro, solda e verniz, 161 x 81,5 x 30 cm. Acervo Galatea

(6) Escrava de Iansã, 2011, ferro forjado e soldado, 59 x 43 cm. Acervo do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira – MUNCAB

(7) Exu-Fêmea, 2011, ferro forjado, batido e soldado, 57 x 51 cm. Acervo do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira – MUNCAB

(8) Ferramenta de Oxumaré, 2020, ferro, solda e verniz, 70 x 67 x 13 cm. Coleção Ivani e Jorge Yunes

(9) Ferramenta de Oxóssi Odé, 2022, ferro, solda e verniz, 74 x 54 x 14 cm. Acervo Galatea

(10) Ferramenta de Ogum Onirê, 2022, ferro, solda e verniz, 76 x 45 x 46 cm. Acervo Galatea

(11) Ferramenta de Agué, 2022, ferro, solda e verniz, 77 x 31 x 30 cm. Acervo Galatea

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