Artistas

Dona Romana

Natividade, TO, 1941

As energias que precisam vir ao mundo inevitavelmente encontram seus portais, buscando a matéria que lhe dará corpo terreno. Sob o sol rachante do centro do Brasil, essas forças que vêm de outros planos ganham forma de muitos jeitos, como “fundamentos para a firmeza da terra” que emanam cargas elétricas e profecias vindas do além.

O magnetismo de Dona Romana transcende o sítio Jacuba, onde vive, atraindo pessoas de muitos lugares do mundo. Quem passa pelo arco de sete pontas e entra na fenda estreita aberta no muro baixo que cerca o sítio acessa o que parece ser outra dimensão: um chão sagrado, um santuário. Astros, seres, inscrições e totens esculpidos em pedra canga e laterita afloram entre o solo rochoso amarronzado e a mata do Cerrado, brilhando sob o céu quente de um azul estourado. A erupção da escultura crua e de formas essenciais, realizada com materiais pouco usuais e gestos mínimos, revela um estilo próprio, imbuído de uma profunda magia. À dureza das pedras cimentadas, somam-se peças em arame e detalhes ou motivos cravados como mosaicos de pedrinhas variadas e outros resíduos. A expressividade das imagens que povoam o lugar carrega a sensibilidade de uma criação engajada com revelações maiores e que tentou, pelas mãos, dar conta de uma beleza e de uma potência indizíveis. Esses sóis, estrelas, anjos, antenas, cruzes, pássaros e outras figuras e símbolos sincréticos se multiplicam sem nunca se repetir. São peças que vibram forte, cada uma a sua maneira, ecoando suas mensagens singulares, mas que compõem uma constelação densa e coesa, cumprindo uma função fundamental entre a sustentação do solo e a ascensão aos céus.

Essa missão se conta pela trajetória da mística Romana: nascida e criada em uma das cidades mais antigas do Tocantins, no pé da Serra de Natividade, decidiu fechar sua venda de cachaça depois de ter a primeira visão espiritual em 1974. Guiada por seus “três curadores”, foi viver na área rural, onde aprendeu o poder das ervas e garrafadas e iniciou sua prática como rezadeira e benzedeira, tornando-se logo conhecida em toda a região como “Mãe”, vidente, curandeira, profetisa e líder espiritual. Os trabalhos em pedras começaram em janeiro de 1990 e foram gradualmente incorporando detalhes em cor e outros materiais. Sempre orientada por essas vozes, Romana criou peças e instalações cujo propósito se sedimenta em locais específicos, muitas vezes indicados por uma luz. Sua produção também se desdobrou em desenhos sobre papéis e pinturas nas paredes das construções de seu sítio, também conhecido como Centro Bom Jesus de Nazaré. Tudo isso integra o mesmo “fundamento”, cujo processo de construção Dona Romana concluiu em 2011, e que agora aguarda “a grande hora”. Essa obra grandiosa e brilhante firma um pacto entre mundos. É uma indivisível fusão de poderes e saberes tradicionais com as mensagens traduzidas por Dona Romana. É um núcleo de forças que segura a terra e conecta diferentes polos energéticos do planeta e também os liga a outras dimensões, servindo como pilar espiritual por meio de uma materialidade fascinante e extraordinária.

Sua participação no 38º Panorama traz registros documentais inéditos de seu centro espiritual e de suas obras, comissionados especificamente para a ocasião. Uma fotografia é apresentada em um painel de proporções colossais, trazendo uma imagem emblemática de seu santuário em Natividade (TO) para dentro da exposição. Sua presença é reforçada por um repositório on-line com uma extensa documentação fotográfica, áudios de seus testemunhos e transcrições dessas falas que sintetizam sua jornada.

1/2

(1) Centro Bom Jesus de Nazaré, sítio Jacuba, Natividade, TO, desde setembro de 1989, local de residência com obras em pedra, papel, tecido, pintura, arame, madeira e objetos diversos. Registro fotográfico de Emerson Silva

(2) Vista da exposição

Acesse o arquivo de imagens e áudios
PT
EN