Artistas

Antonio Tarsis

Salvador, BA, 1995

A risca do fósforo acende a matéria, ascendendo também as ideias. O elemento inflamável e a combustão por fricção refletem a ardência dos afetos. As coisas ignoradas aglutinam-se, encontram outros arranjos e dão vazão a processos de transmutação para alcançar novos sentidos.

A obra de Antonio Tarsis desenvolve-se a partir de dinâmicas de lealdade e ressignificação que ele estabelece com seus materiais de escolha. Sua formação, em grande parte autônoma, se deu caminhando diariamente pelos bairros de Sete Portas, Barroquinha e Baixa do Sapateiro, em Salvador, rumo à Biblioteca Pública do centro. Nessas andanças, a onipresença de caixas de fósforos descartadas pelas ruas da cidade despertaram sua atenção. O artista logo passou a colecioná-las como achados-amuletos num ritual diário que o ajudou a atravessar os momentos mais conturbados de sua vida. Seu interesse nas texturas e variações cromáticas das caixas de fósforos que encontrava fez com que ele convertesse esses objetos banais em elementos primordiais de sua produção artística. No processo criativo do artista, esses e outros resíduos coletados — como caixas de frutas, embalagens e recortes de papel — são trabalhados para criar arranjos vibrantes, por meio de uma geometria arredia. Em suas articulações de potências inflamáveis, Antonio Tarsis passou a incorporar outras matérias-primas relacionadas, como o carvão, a pólvora, o papel paraná e a madeira. Em sua abordagem experimental, o artista adota a colagem como método para compor desenhos, objetos e instalações por meio da aglutinação, sobreposição e construção de camadas — materiais e de significado —, estabelecendo sua prática entre a estratégia crítica e atos de afeto e cuidado.

Para o 38º Panorama, Antonio Tarsis apresenta a obra comissionada Acender o silêncio (2024), uma instalação que toma o centro de uma das alas do campo expositivo. A proposição, embora simples e direta, traz uma complexidade visual e sistêmica, sendo composta por um tronco de eucalipto carbonizado suspenso no teto e um amplo círculo feito com pedaços de carvão no chão. No centro desse amontoado de carvões, há uma peça circular metálica superaquecida. A instalação faz gotejar água do tronco de ponta-cabeça direto no metal, performando a sensualidade da calefação, jogando com a sonoridade e a aparição fantasmática do vapor. A instalação apresenta- -se como uma espécie de sítio ritualístico ou como um laboratório alquímico composto por gestos mínimos. Por meio da interação radical entre líquido e superfície, o trabalho lida com o suspense e as nuances que envolvem um processo de transformação imediato, afirmando as correspondências entre o que há acima e embaixo, entre o fogo e a água, e entre os diferentes estados da matéria.

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(1-3) Acender o silêncio, 2024, carvão, aço inox, água, equipamento de aquecimento e sistema hidráulico de gotejamento, 400 x 300 cm. Coleção do artista

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