Ribeirão Preto, SP, 1982
Uma natureza sem nome, formada por hibridismos de todo tipo, atrai-nos com um magnetismo assombroso. Novas formas, cores e texturas se liquefazem numa mistura que agarra nossa atenção, provocando os sentidos e a memória, lançando-nos no fio cortante entre o estranho absurdo e o conhecido familiar.
Adriano Amaral combina materiais e processos de diferentes contextos para criar objetos e sistemas únicos. O artista usa resíduos de equipamentos e produtos industriais, bem como partes de animais, vegetais e minerais para compor elementos neotéricos que estabelecem suas próprias regras biológicas. Em sua obra, é difícil até mesmo discernir entre o sólido, o líquido e o gasoso, ou saber o que está emergindo e o que está em decomposição. Ao tomar o pensamento escultórico como método, ele trabalha num balanço sensível entre a livre intuição e a prática laboratorial. Nesse sentido, seu trabalho propõe experimentos complexos para discutir a qualidade física e espiritual das coisas que compõem o mundo e a jornada do ser humano no planeta. Seu barroco druida-futurista nos põe diante de uma abundância de soluções estranhas, como raízes fundidas em tubos de lâmpada, ninhos de insetos translúcidos, pássaros e hortaliças de silicone, espelhos-d’água de metal, entre outras situações e criaturas de um repertório inesgotável. Em seus ambientes, compostos por diferentes temporalidades e temperaturas, mergulhamos sempre no desconhecido, no mistério insondável cravado entre o orgânico e o artificial, o corpo e a máquina, o telúrico e o alienígena, a nostalgia e a novidade. Nas zonas indefinidas invocadas pelo artista, tudo que a princípio parece inexplicável nos aproxima de novos afetos e perspectivas. Entre o que já foi e o que ainda virá, a pulsão de novas frequências anuncia o alvorecer do antropoceno e, com ele, as incontornáveis implicações das ações humanas com sua natureza interior e com o ecossistema terrestre. No abismo do oculto, a atenção radical aos processos da matéria pode nos levar à sublimação espiritual, revelando a fluidez e a metamorfose como destino inescapável de tudo que é vivo, jogando luz sobre questões existenciais do passado, do presente e dos possíveis futuros.
Para o 38º Panorama, o artista criou uma instalação comissionada para o térreo do MAC-USP. A obra, intitulada Cabeça-d’água (2024), é uma cápsula octogonal que pode ser contemplada como uma escultura em si ou experienciada como uma estrutura arquitetônica contendo diferentes gestos. Nas paredes desse espaço, peças inéditas da série Pinturas protéticas (2022-), feitas com corte a laser sobre silicone, transliteram imagens prosaicas colhidas pelo artista na internet, criando hologramas tangíveis de cores ácidas e traçados que aludem tanto às projeções digitais quanto aos bordados e filigranas. Algumas dessas obras são estruturadas em três partes pontiagudas e articuladas, como pequenos oratórios em forma de capela. Ao redor, outras esculturas remetem a uma natureza reformulada pelos efeitos de uma tecnologia duradoura, como dois objetos suspensos compostos pela fundição de chuteiras, patas de aves e outros materiais. São como talismãs pagãos de tempos vindouros, conjurando uma nova iconografia. A atmosfera do ambiente, marcada por um caráter esotérico e ritualístico, é arrematada por sua peça central: um tanque octogonal com um líquido viscoso no qual crânios de hominídeos recobertos por uma lânguida mortalha descem do teto para ser banhados continuamente. A obra comenta a condição humana atual, seus índices de transformação e paradoxos vitais, colocando-a em perspectiva temporal radical. No entanto, mais que uma representação, o trabalho propõe uma imersão psicocorporal, despertando sensações e estados de espírito ligados ao fascínio pelo quimérico.
Com essa instalação, Adriano Amaral resgata a tradição simbólica da forma geométrica de oito lados e ângulos. Em muitos lugares do mundo, desde a Antiguidade, é comum o octógono aparecer em padrões arquitetônicos e ornamentais. Sua simbologia está ligada à integração entre o mundo material e o espiritual, por meio da harmonia entre o quadrado — símbolo da terra — e o círculo, que representa o céu, a dimensão divina. Trata-se, portanto, de uma chave de transição, ou um canal entre o plano físico e o plano celestial. Não por acaso, em algumas tradições, o octógono está relacionado à regeneração ou ao renascimento que conduz à elevação espiritual. Em diversas igrejas cristãs, por exemplo, os batistérios assumem a forma octogonal para indicar a renovação e o acesso a outros planos, por meio do batismo. Diante das vertigens do ultradesenvolvimento científico, a obra evoca mistérios imemoriais e a aspiração à transcendência, incorporando a encruzilhada entre materialidade radical e ascensão mística.
(1-10) Cabeça D’água, 2024, placas de alumínio, MDF, plástico, lâmpadas, PVC, alumínio, aço carbono, aço inox, acrílico, silicone líquido, cilindro pneumático, alumínio, resina, silicone, pó de alumínio e sementes, 708 x 525 x 525 cm. Coleção do artista
(11-13) Sem título, 2019, estrutura de alumínio, chuteiras de futebol queimadas, patas de ganso, gafanhotos secos, borracha de silicone, e microesferas refletivas de vidro, 71 x 26,5 x 18 cm. Coleção particular
(14-15) Sem título, 2024, chuteiras de futebol queimadas, impressão 3D de patas de cisne, borracha de silicone, espuma estrutural, grafite, sementes, pó de alumínio, pó de ferro, parafusos e estrutura de inox, 45 x 28 x 20 cm. Coleção do artista
(16) Sem título, 2024, borracha de silicone, acrílico, feltro, linha, nylon, pigmentos, nanquim, grafite, impressão, alumínio e parafusos, 84,5 x 80,5 x 8 cm. Coleção do artista
(17) Sem título, 2024, borracha de silicone, acrílico, feltro, linha, nylon, pigmentos, nanquim, grafite, impressão, alumínio e parafusos, 84,5 x 80,5 x 8 cm. Coleção do artista
(18) Sem título, 2024, borracha de silicone, acrílico, feltro, linha, nylon, pigmentos, nanquim, grafite, impressão, alumínio e parafusos, 90 x 80 x 7 cm. Coleção do artista
(19) Sem título, 2024, borracha de silicone, acrílico, feltro, linha, nylon, pigmentos, nanquim, grafite, impressão, alumínio e parafusos, 64 x 60 x 7 cm. Coleção do artista
(20-21) Sem título, 2024, borracha de silicone, acrílico, couro metalizado, nylon, pigmentos, nanquim, grafite, impressões, madeira, dobradiças e parafusos, 66 x 82,5 x 12,5 cm. Coleção do artista
(22) Sem título, 2024, borracha de silicone, acrílico, couro metalizado, nylon, pigmentos, nanquim, grafite, impressões, madeira, dobradiças e parafusos, 66 x 82,5 x 12,5 cm. Coleção do artista